Muito maior que a morte é a vida. / Um poeta sem orgulho é um homem de dores, muito mais é de alegrias. / A seu cripto modo anuncia, / às vezes, quase inaudível / em delicado código: / ‘cuidado, entre as gretas do muro / está nascendo a erva…’ / Que a fonte da vida é Deus, / há infinitas maneiras de entender.
(Adélia Prado, “O modo poético”).
Viver a Páscoa: entre as gretas do muro, a Vida renasce
O poema de Adélia ressoa como um anúncio pascal. “Muito maior que a morte é a vida.” A Páscoa é a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o medo, da esperança sobre a desesperança. Para a Vida Religiosa Consagrada, essa vivência pascal não é um evento isolado, mas um itinerário permanente de fidelidade ao Ressuscitado, num mundo onde muitas realidades ainda parecem prisioneiras do túmulo.
O Papa Francisco, ao assumir o Documento Final do Sínodo como ensinamento/magistério da Igreja, nos exorta e anima a cultivar e fortalecer a sinodalidade como traço constitutivo da vida eclesial. Nesse contexto, a Vida Religiosa é chamada a ser sinal profético da Igreja que escuta o Espírito e se põe a caminho, como peregrina de Esperança. Como o poeta sem orgulho do poema, nós, consagrados e consagradas, carregamos as dores e alegrias da humanidade, fazemo-nos pequenos para escutar e caminhar juntos, pelas estradas desse mundo ferido. Somos chamados a viver a Páscoa cotidianamente, atentos aos sinais da vida nova que desponta, mesmo que de maneira quase inaudível, como a erva que nasce entre as gretas do muro.
Somos desafiados e testemunhar essa esperança pascal em um tempo marcado por crises sociais, guerras, desigualdades e feridas na carne da própria Igreja. Ser sinodal significa assumir que ninguém caminha sozinho, que a missão não é isolada, mas compartilhada. Nós, religiosos e religiosas, somos chamados a anunciar, com nossa vida e ministério, que Deus é a fonte da vida e que há, de fato, infinitas maneiras de compreender e vivenciar esse mistério. Assim como as mulheres no sepulcro encontraram a pedra removida e ouviram o anúncio do anjo – “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo?” – a Vida Religiosa é desafiada a perguntar-se: onde hoje buscamos a vida? Como fazemos ressoar o anúncio da Ressurreição no coração das pessoas? Como acolhemos as novas formas de presença do Espírito na Igreja?
O caminho sinodal pede que a Vida Religiosa esteja atenta ao que nasce entre as gretas do muro: nas periferias geográficas e existenciais, nos clamores da juventude, nos rostos dos pobres e marginalizados, no grito de socorro da nossa casa comum, nos desafios socioambientais, nos chamados à reconciliação e à paz. Precisamos entender que a fidelidade pascal não se dá na repetição do passado, mas na abertura ao novo que Deus faz brotar.
Viver a Páscoa, portanto, é reconhecer, celebrar e anunciar que a Vida é maior que a morte. É escutar, discernir e caminhar juntos, como Igreja Sinodal, testemunhando a esperança do Crucificado-Ressuscitado, que está no meio de nós, renovando todas as coisas, com o fogo e o sopro do seu Espírito, a divina Ruah, que provoca a conversão dos nossos corações, das nossas relações, estruturas e processos, reconfigurando, segundo o seu coração, a comunidade de seus discípulos e discípulas, a fim de que sejamos no mundo sinal do seu Reino de amor, de paz e de justiça.
Pe. Miguel de Oliveira Martins Filho sj
Jesuíta, Diretor do Centro Cultural de Brasília – CCB
Graduado em Letras pela UFPI;
Graduado em Filosofia e Mestre em Teologia pela FAJE